Em tempos onde as inovações tecnológicas crescem a cada dia e provocam mudanças disruptivas irreversíveis, é importante salientar a necessidade dos profissionais do Direito estarem preparados para absorver as grandes transformações que vêm ocorrendo no meio jurídico, de forma cada vez mais acelerada.
Nesse movimento, surge a advocacia 4.0 ou advogado 4.0, que por sua vez busca na utilização da tecnologia a conexão mais rápida com os seus clientes, objetivando a prestação de um serviço com mais qualidade por meio de plataformas tecnológicas capazes de potencializar o seu trabalho, evitando atividades repetitivas, o que o torna cada vez mais produtivo.
O website transformação digital1 traz considerações importantes acerca da Advocacia 4.0. Segundo o artigo, “no final do século XVIII, a máquina a vapor e a mecanização da produção têxtil assombraram o mundo, mostrando um universo de possibilidades industriais que nossa sociedade ainda não conhecia. Um século mais tarde, foi a vez do telefone, da indústria automobilística, da produção em massa de bens de consumo e do surgimento da aviação. Estávamos ainda na 2ª Revolução Industrial.
Entre 1970 e 2000, foi a vez dos microcomputadores e, mais adiante, da internet. Tratam-se de inventos que digitalizaram informações, deram velocidade ao fluxo de trabalho corporativo/industrial e fizeram escritórios e fábricas se reinventarem diante da substituição de processos manuais e equipamentos (como máquinas de escrever) que, a essa altura, já viraram peças de museu.
Essa Indústria 3.0 formou as bases para o que estamos vivenciando agora: uma era de inteligência artificial, de realidade aumentada e de análise de dados. E é evidente que tudo isso redesenha a forma de pensar a advocacia no mundo”.
O referido artigo traz também considerações relevantes acerca da 4ª Revolução Industrial e seus impactos na advocacia, quando menciona: “Como seu escritório jurídico se beneficiaria se tivesse como aliado um robô capaz de vencer 160 mil contestações relacionadas a multas de trânsito? Melhor ainda: e se esse robô fosse capaz de executar tudo isso fazendo uso de uma capacidade de argumentação jurídica autônoma, contando também com habilidade para preencher formulários, protocolando-os nos órgãos públicos corretos (e de forma tempestiva)?
Isso já existe. Chama-se DoNotPay, uma aplicação criada por um jovem de 19 anos após o recebimento de sua 30ª multa nos arredores de Londres, em um período de 21 meses.
O desenvolvimento desse tipo de tecnologia nos força a pensar qual é o papel do advogado 4.0 nessa era de automações, bem como quais recursos e conhecimentos esse novo profissional deve trazer para os escritórios.
A consultoria McKinsey estima que 60% dos empregos do futuro terão mais de 30% de suas atividades automatizadas pela tecnologia. Ou seja, se por um lado recursos como Big Data, Internet das Coisas, 3D e realidade virtual facilitam o trabalho dos profissionais do Direito em processos burocráticos e até intelectuais, por outro trazem consigo alguns desafios, como a necessidade de que os “advogados digitais” apresentem competências ligadas a esses conhecimentos.
Além disso, os problemas legais advindos do uso de drones (privacidade), impressões 3D (possível fabricação de armas), cibersegurança (intrusões a sistemas) e Internet das Coisas (legalidade do blockchain) são apenas alguns singelos exemplos de novas questões que deverão ser abordadas pela doutrina e pela jurisprudência para que o equilíbrio das relações sociais não seja prejudicado por essas inovações. Os desafios do advogado 4.0 são, portanto, diversos”.
Nesse viés, apresentam-se soluções tecnológicas que fazem parte da advocacia 4.0 e que vem auxiliando de forma positiva os profissionais da advocacia. Tais tecnologias vem sendo desenvolvidas pelas Lawtechs ou Legaltechs e vêm impactando tanto os escritórios como os tribunais.
Com relação às soluções criadas, tem-se a Automação na gestão de documentos. Nesse caso, cuida-se de um software de gestão, que visa auxiliar em questões administrativas e finanças. Um exemplo desses softwares de gestão é a plataforma AdvBox, especializada em gestão de contratos e processos para advogados. Além dessas funcionalidades ela é capaz de gerar documentos jurídicos.
Outras ferramentas importantes desenvolvidas e que impactam positivamente a advocacia são as que utilizam-se do Analytics. Essas soluções são capazes de mapear toda a jurisprudência de uma determinada Turma ou Tribunal, fazendo uma análise do percentual de decisões favoráveis sobre cada tema, bem como faz uma busca de diversos elementos relacionados à linha de argumentação mais adequada para cada caso.
Recursos para conciliação online também ganharam relevância no mercado da advocacia, uma vez que visam a intermediação das negociações entre os patronos dos autores e das empresas requeridas, formulando propostas de acordo antes mesmo do ingresso da ação na via judicial, evitando assim, custos com processos.
Para Bruno Feigelson2 “a grande revolução da advocacia não virá do uso de softwares, mas sim de uma mudança completa de mindset. Ele refere que “nós, advogados, somos indivíduos que profissionalmente lidamos com interesses alheios. Quando determinado ser humano busca satisfazer seu interesse e precisa de um apoio profissional, somos interessantes. Quando um terceiro nos observa atuando em nome de outro, podemos ser percebidos como interesseiros. Independente do que se diga, somos, – e continuaremos a ser –, seres essenciais ao bom funcionamento da sociedade. Assinalapara o fato de que sociedade está passando por transformações significativas”.
Todo esse cenário disruptivo e exponencial que Feigelson menciona ser a chamada “Nova Economia” traz consigo a “Nova Advocacia”, denominando-se “Advocacia 4.0”. Para Feigelson3 há sete características preponderantes nesta nova realidade:
1. Rápida democratização do conhecimento jurídico: A digitalização das informações e o amplo fluxo de comunicação implicam em uma rápida curva de precarização do conhecimento. Ou seja, dificilmente será possível vender as mesmas “teses” e o mesmo “conhecimento” por um grande espaço de tempo.
2. Ineditismo e velocidade de interpretação: Em um mundo de acesso infinito ao conhecimento, o valor passa a estar no processador e não no HD. A nova memória é a nuvem, nivelando grande parte dos profissionais. Analisar e interpretar na velocidade dos acontecimentos é o valor. A advocacia em certo sentido vai se assemelhar com a mineração de bitcoin, em que um problema é lançado para a rede, e o playerque consegue resolver em menor tempo recebe por isso.
3. Fim do argumento de autoridade: Em uma realidade nivelada de conhecimento, o argumento de autoridade deixa de existir, e a racionalidade e legitimidade dos argumentos precisam imperar (dados, construção lógica e propagação adequada).
4. Criatividade e design: Os desafios postos não terão precedentes e ensejarão soluções criativas. A capacidade de reproduzir experiências anteriores será reduzida. Será preciso criatividade para desenhar soluções inéditas para as novas questões postas.
5. Velocidade na resolução das disputas: O litígio cada vez mais será observado como perda de tempo e recurso. Em uma sociedade acelerada, a resolução de conflitos por meios alternativos será crescente (tal crença justifica o Sem Processo).
6. Empatia, relevância e acesso: O advogado precisa ser uma “API aberta” que se conecta com outras plataformas oportunizando um tráfego rápido de informações e a consequente resolução das questões postas. Isso significa se conectar com seus pares (outros advogados e escritórios), profissionais de outras áreas (multidisciplinariedade) e seus conhecimentos diversos, Estado (de maneira ética e republicana), mídia e influenciadores, grupos de interesse e especialmente clientes. Para tanto, a empatia e a “capacidade de ganhar relevância” passam a ser valores fundamentais. Em um mundo de abundância de informações, conexões e compromissos, a briga pela “audiência” individual e coletiva passa a ser pauta da advocacia.
7. Capacidade de conexão, de abstração e analítica (data driven): Além do fluxo de informação que passa a ser fundamental, a Advocacia 4.0. prega uma capacidade de se conectar com as novas questões (entendimento pleno dos desafios vivenciados por empresas e sociedade), capacidade de abstração (distanciar as ideais do objeto) e especialmente desenvolver uma visão analítica pautada em dados. Ou seja, é preciso mergulhar nos desafios, emergir à superfície (abstrair) para resolvê-los e se pautar em números e dados (data driven).
Desse modo, com a implementação dessas novas soluções, observa-se uma diminuição do tempo gasto com tarefas repetitivas e que podem ser efetuadas de forma automática, de modo que ao advogado é possibilitada a realização de atividades que exijam uma bagagem intelectual mais aprofundada na efetivação de atividades mais complexas.
O que se verifica é que com o surgimento de tantas inovações na área jurídica, se faz necessário que os advogados estejam cientes da necessidade de capacitação e atualização.
A fim de que o profissional da advocacia se torne um verdadeiro advogado 4.0, este deverá conciliar conhecimentos na área de Ciência de Dados, Robótica e Programação com a sua expertise jurídica.
Muito embora boa parte da população ainda entenda que o advogado bem sucedido é aquele com escritório luxuoso, com vestes tradicionais e com vocabulário rebuscado, atualmente, esta não é mais a realidade do ambiente jurídico graças à tecnologia.
Portanto, é evidente que a postura do advogado deverá sofrer uma mudança, notadamente na busca constante por conhecimento e aperfeiçoamento. Além disso, deverá submeter-se regularmente à especializações, que contarão como um ponto positivo para sua permanência no mercado.
1Disponível em: https://transformacaodigital.com/advogado-4-0-quarta-revolucao-industrial-impactando-advocacia/ Acesso em 02/10/2018, às 17h46min.
2FEIGELSON, BRUNO. Disponível em: https://www.lexmachinae.com/2018/06/25/advocacia-4-0/ Acesso em 04/10/2018, às 15h37min.
3Ibid, FEIGELSON, BRUNO.